Chamada de artigos revista Princípios — edição nº 168

2023-06-05

 

Chamada de artigos revista Princípios — edição nº 168

DOSSIÊ:

DESAFIOS DO GOVERNO LULA: DEMOCRACIA, RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO

 

A revista Princípios (ISSN:1415-7888; E-ISSN: 2675-6609), periódico científico de teoria, política e cultura classificado pela Capes como A3 no Qualis Periódicos (2017-2020), torna pública a chamada de artigos e ensaios para o dossiê temático “Desafios do governo Lula: democracia, reconstrução e desenvolvimento”, organizado pelo professor doutor Nilson Araújo de Souza (Unila), com publicação prevista para setembro de 2023.

Há certo consenso nacional sobre o fato de que a democracia assumiu centralidade na conjuntura política e, por conseguinte, no embate eleitoral que se verificou em 2022. Isso porque o presidente candidato à reeleição ameaçava promover um golpe e implantar, em nosso país, uma autocracia com tinturas fascistas. O assalto e a depredação das sedes dos poderes da República por hordas bolsonaristas, apenas oito dias após a posse do novo governo, são fatos reveladores desse intento.

A manutenção da democracia implicava, portanto, isolar e derrotar o projeto neofascista. Para tanto, tornou-se possível e necessário unir em uma ampla frente o conjunto das forças democráticas. Esta foi sendo construída ao longo de 2022, mas só se consolidou durante a campanha eleitoral em torno da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Foi com base na formação dessa frente e na defesa da democracia que Lula derrotou a extrema direita nas urnas.

As tendências fascistizantes seguem, contudo, vivas e em plena atuação. Detêm espaço no Congresso Nacional e em vários governos estaduais. Conduzem uma massa disforme política e socialmente, que vai do trabalhador desempregado até o banqueiro e o núcleo hegemônico no agronegócio. É lídimo conjecturar que a questão democrática não perderá centralidade no período próximo.

Consideramos, entretanto, que a democracia não se consolidará senão em articulação com as tarefas da reconstrução nacional, que implicam a reedificação de instituições e políticas sabotadas pelo governo anterior, além da retomada do desenvolvimento econômico com geração de empregos e renda, valorização do trabalho e promoção do bem-estar social. O sucesso na busca desses objetivos contribuirá para amplificar o apoio popular ao governo Lula, neutralizar setores vacilantes da frente ampla e isolar o neofascismo, impondo-lhe uma derrota de sentido estratégico. Por outro lado, o insucesso na reconstrução nacional e na retomada do desenvolvimento possibilitará o fortalecimento da extrema direita e pavimentará seu retorno ao centro do poder.

Podemos afirmar, nesse sentido, que o novo governo Lula tem caráter de transição. Seu desafio principal é reconstruir a capacidade indutora do Estado e assentar as bases para a retomada do desenvolvimento. Na esfera econômica, é razoável a avaliação de que o governo iniciou bem a transição. Começou a governar ainda antes de assumir o mandato, ao elaborar e aprovar no Congresso Nacional a PEC da Transição. Esse instrumento legal permitiu ao governo fazer a travessia da destruição promovida pelo bolsonarismo para o processo de reconstrução nacional. A PEC garantiu recursos para a retomada dos investimentos, o Bolsa-Família renovado, o aumento real do salário mínimo, a retomada das obras paradas e o relançamento dos programas “Minha Casa, Minha Vida” e “Mais Médicos”, entre outras medidas.

Igualmente digna de nota — apesar de asperamente criticada por imprensa e oposição — é a retomada da política externa independente. Essa orientação havia sido enterrada pelos governos Temer e Bolsonaro, que isolaram o Brasil do resto do mundo. Já nos primeiros cinco meses de mandato, Lula visitou EUA, China, Portugal e Espanha, além de enviar seu assessor especial, o ex-ministro Celso Amorim, à Rússia, à Venezuela e à Ucrânia. O presidente visitou também Argentina e Uruguai, e recebeu os presidentes da América do Sul para retomar o processo de integração regional abandonado pelos governos anteriores. Tanto o aproveitamento da transição geopolítica mundial quanto a retomada da integração regional têm como objetivo precípuo favorecer o desenvolvimento nacional e garantir a paz no mundo.

Combater a desigualdade social é outro desafio fundamental no processo de reconstrução. A abissal desigualdade que impera no país, além de submeter grande parte da população à miséria e à fome, provoca o estreitamento do mercado interno, bloqueando, em consequência, a reconstrução e as perspectivas de desenvolvimento. Nesse sentido, revelam-se de grande importância medidas adotadas recentemente, como a ampliação e reorganização do Bolsa-Família; a superação da defasagem salarial, com a retomada, ainda que tímida, da política de reajuste real do salário mínimo; o enfrentamento à discriminação salarial da mulher, com a aprovação no Congresso Nacional de medida provisória que garante salário igual para trabalho igual; a busca de avanços na educação, com a recomposição do orçamento das universidades e das bolsas de pesquisa, entre outras medidas.

Porém, é preciso reconhecer que essas e outras ações têm caráter emergencial. A fim de reforçá-las e aprofundá-las, é de fundamental importância avançar na reforma urbana, no fortalecimento e aperfeiçoamento do SUS, na implantação do complexo industrial da saúde, na implementação de escolas de tempo integral. Essas e outras iniciativas não contribuem apenas para o combate às desigualdades; para além disso, fortalecem o mercado interno e compõem a luta para colocar o trabalho no centro do desenvolvimento.

Considerando o processo de desindustrialização e sucateamento da infraestrutura que vem marcando o país já há bastante tempo, outro grande desafio para viabilizar a reconstrução nacional e criar condições para o desenvolvimento consiste em promover a reconstrução, a expansão e a modernização da capacidade produtiva industrial, objetivo que passa necessariamente pela reindustrialização em novas bases tecnológicas e pelo lançamento de um amplo programa de obras de infraestrutura de qualidade.

Para que a reindustrialização possa perseguir o estado da arte no mundo, o investimento e a incorporação de CT&I devem constituir-se em motores principais desse processo. Considerando que, em momentos de crise, parte significativa do investimento privado foge da produção e passa a circular na esfera puramente financeira, reforçando a tendência ao “rentismo”, cabe ao investimento público — acompanhado de financiamento público, compras governamentais e medidas de proteção contra a concorrência predatória externa — a tarefa de alavancar o conjunto do investimento, dentro de um plano coordenado pelo Estado.

Desafio da maior importância consiste em obter os recursos para financiar a reconstrução e criar as condições para a retomada do desenvolvimento. A ortodoxia monetarista não se cansa de repetir o mantra de que os recursos são escassos. Na verdade, é fácil demonstrar que eles existem, apenas são desviados para outras finalidades que não o investimento e a produção. São apropriados, sob a forma de renda financeira, pelos rentistas dentro do país, ou drenados para o exterior para remunerar o capital estrangeiro, seja o capital a juros, seja o chamado investimento externo direto.

O nó górdio, que precisa ser desatado para viabilizar os investimentos, são as elevadas taxas de juros praticadas pelo Banco Central. Isso porque, além de impor ao setor público pesados dispêndios financeiros, sacrificando seu potencial de investimento, o nível atual dos juros penaliza as empresas e as famílias, as quais, sobrecarregadas de dívidas, têm seu potencial de investimento ou de consumo bloqueado.

Como desatar esse nó? Como baixar os juros para níveis compatíveis com o investimento? A emissão de moeda poderia ser utilizada para impulsionar o investimento público? Como potencializar a utilização dos novos rendimentos auferidos com a exploração da fronteira petrolífera? Como reunir forças para avançar numa reforma tributária efetivamente progressiva, capaz de, conforme propôs Lula, colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda?

É também missão de Princípios, em sua edição nº 168, discutir o papel do novo marco fiscal na retomada do investimento público. É certo que houve melhoria em relação à lei do teto de gastos, já que o arcabouço permite maior flexibilidade no que respeita ao investimento, o qual, ao contrário do que tínhamos no teto de gastos, poderá experimentar algum aumento real. Porém, é preciso considerar que, se a proposta original de novo arcabouço já continha limitações consideráveis, a peça construída pelo relator na Câmara intensificou ainda mais esses limites, além de criar sanções em caso de descumprimento das metas, comprometendo a administração pública e penalizando o servidor. Será a proposta de arcabouço aprovada no Congresso Nacional suficiente para deslanchar e sustentar a reconstrução nacional e a retomada do desenvolvimento, dado o nível de destruição ao qual o país foi submetido no período recente?

Decifrar essas questões, além de outras não tratadas aqui, representará importante contribuição para que o Brasil supere o período de destruição nacional, avance na reconstrução econômica e crie as condições para o progresso social e o fortalecimento da democracia. Nesse debate, questões econômicas, políticas, sociais e culturais encontram-se, de fato, fortemente imbricadas. Nessa perspectiva, Princípios propõe uma análise sobre as questões propostas capaz de unir esforços das mais diversas disciplinas das ciências sociais, com destaque para a Economia, a Ciência Política, a Sociologia, o Direito e as Relações Internacionais, entre outras que são chamadas à realização de esforços de pesquisa e reflexão crítica voltados aos seguintes tópicos estruturantes:

  1. A situação econômica, social e política em que se achava o país no momento da posse do governo Lula, após a destruição levada a cabo pelo bolsonarismo.
  2. As medidas inicialmente adotadas pelo governo Lula, a maioria delas em caráter emergencial, e seu impacto na realidade do país. As medidas adotadas até agora favorecem o processo de reconstrução nacional? Contribuem para reverter o processo de agravamento das desigualdades sociais?
  3. O Estado como indutor do desenvolvimento, destacando-se aqui o comportamento do investimento público e demais ações estatais tais como financiamentos públicos, compras governamentais e proteção contra a concorrência predatória externa, visando promover a reindustrialização em novas bases tecnológicas.
  4. A ação do governo para construir e reconstruir uma infraestrutura de qualidade, como metrôs, trens e obras de saneamento, a começar pela retomada das obras paradas.
  5. As fontes dos recursos que estão sendo adotadas pelo governo para viabilizar o investimento, destacando-se: redução dos juros, emissão monetária, recuperação de parte da desoneração fiscal, reforma tributária, renda petroleira.
  6. O investimento e demais ações na área de CT&I: seu impacto no processo de reindustrialização.
  7. Avaliações sobre o novo marco fiscal, procurando-se desvendar se, dado o nível de destruição de nossas infraestruturas, os investimentos públicos, ainda limitados por vários dispositivos do novo marco fiscal (apesar de este permitir certa flexibilidade em relação à lei do teto de gastos), serão suficientes para deslanchar e sustentar a reconstrução nacional e a retomada do desenvolvimento.
  8. As medidas até aqui adotadas apontam, mesmo embrionariamente, para um projeto nacional de desenvolvimento? Se sim, quais as perspectivas e os eventuais impactos da implementação plena desse projeto?

Os temas listados não excluem outras propostas de trabalho para o dossiê. Dadas as amplas possibilidades de discussão e enfoque da temática, proposições alternativas são bem-vindas, especialmente se originais em suas abordagens.

A revista também aceitará contribuições de relatos de pesquisas, ensaios e resenhas com temáticas diversas, de modo a compor as demais seções da publicação, não diretamente relacionadas à temática do dossiê.

As contribuições devem consistir em textos originais e inéditos escritos em português ou traduzidos para esse idioma com autorização de seus autores e que estejam em conformidade com as normas da revista (disponíveis em anexo).

As contribuições deverão ser submetidas no endereço eletrônico https://revistaprincipios.emnuvens.com.br/principios/about/submissions até o dia 31 de agosto de 2023.

São Paulo, 5 de junho de 2023.

Comissão Editorial da Revista Princípios